“Quem deu crédito à nossa pregação? e a quem se
manifestou o braço do Senhor?” (Is.
53.1).
“Era desprezado, e rejeitado dos homens; homem de
dores, e experimentado nos sofrimentos; e, como um de quem os homens escondiam
o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum”. (Is. 53.3).
Morrer por um propósito justo é a
maneira mais linda de se partir deste mundo, e Jesus morreu assim.
Mas eu fico refletindo sobre aquela
sexta-feira desde a manha até o entardecer, quando Jesus caminhou para o
calvário. Percorreu a via cruzes, foi vitima de olhares e falas: reprovadoras,
críticas e condenatórias.
Os comentários eram diversos, muitos
solidários porem outros acusadores. Mas o que mais me impressiona é o fato de
que algumas pessoas ( e nas multidões sempre existem essas pessoas) não sabiam
quem ele era, e nem porque estava sofrendo daquele jeito, mas traziam dentro de
si, emoções resistentes em relação a ele.
É gente que vive a vida de forma
alienada, absorta em seu próprio mundo, não ouve com a mente, com a alma, estão
sempre por fora dos fatos alheios as pessoas, vidas, e valores essenciais. São
pessoas que estão sempre muito preocupadas com seus próprios problemas, que às
vezes não tem significação para existência básica da vida e muito menos para a
vida eterna. É gente desprovida de alma, de emoções positivas, é gente que não
chora, não vive a vida na intensidade psicológica que ela merece, ou pessoas
que se inclinam mais para a racionalidade e desprezam as emoções. Esse tipo de
pessoa é movido por um pensamento, por uma racionalidade envergada para dentro
de si. Quer racionalizar a dor do outro, e estabelece para si, um estilo de
vida egoísta e escapista, em que o medo de se expor psicologicamente é mais
forte que a necessidade humana básica de viver a vida na sua intensidade mais
humana.
Talvez naquele dia, algumas destas
pessoas chegaram ao Gólgota indagando para alguém que estava por ali, quem era
aquele, o que ele fez; e depois de um breve silencio de quem não conseguiu
responder a pergunta, essas próprias pessoas responderam a pergunta elas mesmas
com seu velho, repulsivo e exaustivo prejulgamento dizendo que: talvez fosse
mais um agitador social, ativista político, ideologista esquerdista, ou um
ladrão porco do mercado (assaltante de
pobres), ou um assassino contumaz que não merecia viver.
O que mais dói é morrer por gente que
não está nem aí por isso, é ter que sofrer hemorragia, dor alucinante por gente
que além de não entender nada do que estamos fazendo, ainda se acha no direito
de prejulgar, inverter o valor do nosso sacrifício atribuindo a ele e a nós,
motivações perversas intenções malignas. (Jo. 8.49).
Alguns destes que não sabem de nada, e
nem se interessam em saber, e que não ligam para ninguém, se acharam no direito
de escolher Barrabas, sabendo que eles mesmos não conheciam a Cristo (o que lhes impossibilitava fazer uma escolha
justa) e talvez nem a Barrabás, mas assim mesmo queriam julgar, queriam
criticar, queriam condenar, queriam participar desse movimento social perverso,
maligno e inquisitório.(Mt.27.21).
O fato é que ele morreu por essa gente,
gente que pega o bonde nomeio do caminho, que não sabe de onde veio e nem pra
onde vai, gente que existe nesse mundo sem razão de ser e que não liga pra nada
pra alem de seu mundo, de sua rotina domestica e anti-social. Gente que vive
mergulhada no seu egoísmo e quando saí é para condenar a quem elas nunca
conheceram.
Naquela sexta-feira, só dois sabiam a
profundidade daquele ato e a significação dele para todos: o pai que sofria
visceralmente nos céus por amor ao seu filho e aos homens, e o filho que sofria
na carne e na alma a sua própria dor e a dos homens, neste planeta empoeirado e
doente.
O fato é que Ele sofreu por gente
obtusa, bruta, estúpida, dominadas pelo ódio. Ele sofreu por gente dominada por
emoções ruins, amargas, por gente ruim, de coração duro.
Ele morreu por gente oprimida pelo pior
demônio que possa oprimir alguém: o demônio do ódio, da estupidez, da
violência, da intolerância religiosa, da hipocrisia que mata o outro pelo
pecado que há em si memso, da antipatia gratuita, da intolerância, da surdez
emocional que nos incapacita de ouvir os gritos do feridos e do bom senso e da
razão, nos faz surdos para ouvir os gritos da alma do outro.
Nisso ele também foi solitário: na
incapacidade dos homens, de todos, até dos discípulos, de viver com ele a
profundidade e a compreensão do do drama humano e o propósito que ele carregava
sobre si naquele dia de trevas. Só por isso, já valeu muito a morte dele.
Quando ele, mesmo sentindo as maiores
dores que um corpo humano pode sentir, foi o mais lúcido, coerente, e doce de
todos desde a casa de Caifás até ao calvário.
Suportou alem dos pecados do mundo,
também as manifestações pessoais, históricas, morais e emocionais deste pecado:
gritos estridentes, xingamentos, hostilidades, desafios tolos, acusações,
calunias, desdém, escárnios, humilhações, condenações judiciais injustas,
julgamento movido pelo ódio e não pela justiça, provas fraudulentas, traições e
violência.
Teve que ver e aturar satanás agindo por
traz dos homens, que tolos, pensavam serem eles mesmos que estavam gerando,
maquinando, os males que faziam a Cristo. Logo satanás, que por suas mãos fora
criado, e que dele recebeu a gloria a beleza e o privilegio de existir dentro
da excelência estabelecida por Deus.
O que importa é que ele amou todos nós,
ele amou as pessoas que não queriam nem saber o que estava acontecendo no
Gólgota naquele dia, amou as pessoas que não saíram de casa por que tinham
alguma “coisa mais importante” para fazer, ele amou pessoas que não se
interessaram em ouvir o outro lado da estória, amou gente que o odiou
gratuitamente só por que o sinédrio mandou ou porque o povo estava gritando
ordens de ódio e condenação, amou gente que não sentiu nada: nem amor, nem
ódio, apenas assistiram pacificamente a sua crucificação, amou gente que
vinha do campo e que por obrigação, e por medo foi obrigado a levar a sua
própria cruz alguns metros, pensando que estava fazendo um favor para ele
Jesus.
Quem sabe, com a prova de amor dele
todos nós venhamos a despertar. Os nervos adormecidos acorde, o amor se
desperte, a consciência de pecado se avive em nós e nos leve ao arrependimento.
Quem sabe, com a prova de amor dele a percepção de quem somos, seja latente, o
egoísmo de lugar a uma vida apaixonada por Ele e pelo próximo. Quem sabe os
prejulgamentos cessem, e a auto-percepção nos faça ser mais humildes, pelo fato
de olharmos para dentro de nós e enxergar as nossas doenças mais profundas.
Ninguém é de fato indiferente a Jesus e
a cruz, nem o mais alienado do planeta, e todos nós teremos em algum momento de
nossa caminhada que decidir e prestar conta do que fazer de Jesus e da cruz.
A cruz faz isso.
Marcio Oliveira
Marcio Oliveira