Vida sem identidade

terça-feira, agosto 23, 2011



Os samaritanos se gabavam de ter no monte Gerizim o lugar da verdadeira adoração a Iavé, mas o fato é que o monte Gerizim nunca foi o local oficial de culto a Iavé no antigo pacto.

Além disso, o significado da palavra Gerizim é “terra estéril”. E era mesmo, posto que a adoração praticada ali, nunca conseguiu imprimir perdão e cura de alma nos samaritanos, muito pelo contrario, o culto no monte Gerizim era o culto da rixa, da discórdia, do ódio, do revanchismo, da amargura, da religião sem misericórdia, da religião que falava de Deus, mas não vivenciava Deus de fato na vida, nos relacionamentos, nas práticas do dia-a-dia.

O monte Gerizim foi transformado em um lugar sagrado pela vaidade dos homens, e nunca passou disso. Mas Jesus vem no novo testamento desconstruindo tudo isso. Ele quebra a arrogância dos samaritanos, afirmando que Deus não se preocupa com lugares historicamente santos, e nem faz de lugares o local certo para buscá-lo.

Assim, o monte Gerizim sai e dá lugar a subjetividade, a altar do coração, a adoração sem compromisso com hora, lugar, ou liturgia certa. Deus quer ser adorado em espírito; adorar em espírito significa primeiro, adorar no Espírito Santo; segundo, sem o peso da liturgia aparente, mecânica e repleta de símbolos, móveis, aparatos, regras e leis como a do culto judaico; e terceiro, de forma íntima, com a alma, com o nosso espírito. Deus quer ser adorado em verdade, o oposto da mentira samaritana, do culto da fraude, do culto falso, fruto de uma gente que não sabia a quem estava adorando e nem por que estavam adorando.

Os samaritanos pegaram carona na história dos judeus e nunca mais conseguiram ser eles mesmos. Aliás, essa ausência de identidade dos samaritanos vinha de séculos atrás, quando seu povo foi miscigenado, misturado com outros povos, e perderam assim, a identidade judaica, e passou a ser um povo mestiço, com varias raízes, etnias. Quando eles pegam emprestada a fé, a crença, e a maneira de crer dos hebreus, inclusive arrastando o pai Jacó para o lados deles – coitado do pai Jacó - na disputa de quem detinha a patente de Deus e do culto monoteísta javita do antigo testamento, eles estão, de forma inconsciente assumindo a forma de um judaísmo réplica, falsificado, vendido no Paraguai – o paraíso das falsificações - com a tentativa coletiva e individual de resgatar a identidade perdida há séculos atrás.

O que é pior do que isso? Tentar resgatar a própria identidade, com furtos culturais, religiosos, tentar se afirmar em cima de mentiras, de construções fantasiosas, tentarem se auto-afirmar à custa da tradição, cultura, fé e credo de terceiros. Arrogar para si, o mérito ou legado cultural/religioso de outrem.

Seria mais saudável, construir a própria identidade, aceitando em primeiro lugar a própria história, assumindo quem se é, e reconhecendo o estado em que se encontra, e só a partir daí, se começaria a reconstrução da própria identidade. O passo seguinte seria a busca de uma experiência pessoal com Deus, não a experiência dos outros, mas a nossa com Ele. E foi isso que Jesus propôs a mulher confusa e equivocada do poço de Jacó e depois aos samaritanos em geral. Os samaritanos precisavam conhecer a Deus pessoalmente, eles precisavam se libertar da visão espiritual importada dos judeus, eles precisavam se libertar da baixa auto-estima que lhes fazia sentir tanta inveja e desejo de ser uma miniatura da sociedade judaica, uma filial da grande matriz. Deus queria lhes dar vida própria, identidade bem construída, auto-estima, dignidade, valor, coisas que eles perderam em séculos de história, de segregação, hostilidades racial, massacres, humilhações, rejeições, conflitos armados, inimizades com os judeus.

É essa a proposta que Jesus traz para nós também, através desta mulher dúbia, confusa, equivocada do poço de Jacó: uma vida reconstruída n’Ele, com a matriz do caráter d’Ele, com a nova natureza de Deus que o Espírito planta em nós. Uma proposta de desconstrução da falsa religião, a devolução dos valores e legados que nós furtamos dos outros, e desfrutar de um novo nascimento pessoal, social e espiritual em Cristo.

Aliás, só se consegue resgatar a identidade coletiva - dos samaritanos - a partir da reconstrução do indivíduo, da pessoa. Jesus começa com indivíduos: a mulher Samaritana e depois alcança as pessoas da cidade de Samaria, - a sociedade – através desta mesma mulher. 

Márcio Oliveira

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