O conforto do soldado ferido no caos da guerra é a possibilidade de poder se retirar dela,
ser conduzido para um hospital de campanha, e pelo menos por algum tempo, poder sair do
campo de batalha.

Assim, quando estamos feridos por dentro, sofrendo com a dor de uma depressão, por
exemplo, queremos nos esconder, sair do cenário da guerra, sair do meio nervoso em que
sobrevivemos e adoecemos cada vez mais.

O problema é que estando ferido, não temos esse direito ou se temos nos é negado, de poder
sair para respirar, ter refrigério, aliviar a dor, tomar fôlego, recobrar o ânimo, para um pouco,
ficar quieto num canto qualquer da vida.

Muito pelo contrário, quanto mais feridos, quanto mais estivermos sangrando, mais somos
inseridos no olho do furacão da vida, mais somos requisitados, cobrados, exigidos, empurrados
para dentro e para o meio da guerra. Pedidos de ajuda, gente ferida como nós nos pede
socorro, e assim vai... É gente que não percebe a nossa dor, não percebe o nosso manquejar,
nosso claudicar, o nosso sangrar estrada a fora da vida.

O pior de tudo isso é a ingratidão que cega os olhos daqueles que nós ajudamos, estando doente.
Por essas pessoas somos taxados de “gente com má vontade”, quando não conseguimos
ajudá-los como eles queriam, por causa da dor da nossa própria ferida. As pessoas estão
sofrendo tanto que não percebem que nós também estamos sangrando, definhado, gemendo,
sofrendo como eles. Às vezes essa incompreensão e ingratidão acontecem dentro da nossa
própria casa, entre os que amamos, e que quando feridos, não somos percebidos, somos
apenas cobrados.

As cobranças são diárias e temos que ser fortes, corajosos, destemidos, valentes, audazes, sem
medo e sem hesitação. Não temos o direito de sentir dor, de gemer, de querer arriar no chão
pelo menos um segundo.

Se alguém percebe a nossa hemorragia por baixo da farda, é minimizada, desprezada, posta
em segundo plano, porque para nós, e só para nós, a vida segue. A nossa volta todos podem
cair  e jogar a toalha, mas o soldado ferido não.

Como é difícil estar sofrendo e ter que superar a própria dor para cuidar de família, igreja,
trabalho, gente, pessoas, em fim.

O rei Jeoas debaixo de muita dor e angústia procurou o profeta Eliseu - até ai tudo bem, o
relevante é que Eliseu estava doente da enfermidade que mais tarde o levaria a óbito. Mesmo
assim, doente para morrer, sem reclamar da própria dor, sem exigir respeito naquela hora
tão difícil, sem reclamar do seu direito de se isolar para esperar a morte, Eliseu mais uma vez,
como tantas outras, doou sua alma, seu corpo, seu precioso tempo que restava na vida, para
ajudar alguém.

Jeoas tinha muitos problemas como rei naquele momento (o pais estavam sofrendo ameaça
da Síria), mais nenhum se igualava ao de Eliseu, que estava morrendo.

Eliseu nos ensina que o oficio de socorro de vidas e de almas está muitas vezes acima da nossa
dor, fraqueza, descanso, necessidades, e que não compete a nós esperar reconhecimento,
solidariedade e empatia daqueles que vêm até nós para pedir socorro, ou daqueles que
dependem de nós: parentes, ovelhas, amigos ou gente que cruza com a nossa vida.

Ser profeta é assim: ser socorro estando sangrando, ser forte estando fraco, engolir o choro
querendo chorar, ignorar a própria dor enquanto cuida da dor do outro.

Ser profeta é fazer e sofrer tudo isso, sem amargura, sem revolta, sem ressentimento e sem
cobrar e exigir nada de ninguém.

Foi assim o vitupério de Cristo: muita dor na alma e no corpo e muita estupidez, indiferença,
e desprezo do lado de fora; com um agravante, a dor e as feridas que Cristo suportou era em
favor e pertenciam às mesmas pessoas que o desprezavam, era nosso, era seu, era meu.

Quando a amargura provocada por pessoas que te exploram sem respeitar a tua dor ou por
pessoas que recebem tua ajuda e não reconhecem e isso tentar entrar no teu coração, lembre-se que Cristo sofreu e morreu doce, sem amargura, sem ódio, amando até o fim.

Graça de Deus na tua vida.