Reféns do passado

segunda-feira, agosto 19, 2013



É bom recordar. Nesse exato momento em que escrevo esse texto, estou ouvindo a musica:
I'll Be Over You, “Estarei com voce” gravada nos anos 80. Eu mesmo tenho doces lembranças da minha infância e principalmente da adolescência,  das músicas, das festas, da saúde, da vitalidade e virilidade do corpo jovem, das relações, das amizades, das aventuras vividas intensamente, dos lugares que frequentei, das crises que vivenciei e da saudade das pessoas queridas que morreram.

Mas, aprendi que cada vez que viajava para dentro do meu passado, experimentava um misto
de prazer e dor. Pois, ao mesmo tempo em que curtia as lembranças, por outro lado, não conseguia trazer nada de lá para cá, e deixava de viver o hoje, o agora com as pessoas que hoje fazem parte da minha vida.

O passado ganha valor, quando o presente é de dor, desconforto, desprazer, sem sentido. Daí, o olhar se fixa no passado, que por motivos de comparação com o presente, foi melhor, mais prazeroso, proporcionou mais momentos de felicidade.

Além disso, o passado torna-se bom quando pensado no presente, porque na época em que ele (o passado) aconteceu, foi presente e talvez não tivesse tanta beleza e cor. Assim a nossa guerra fica sendo sempre contra o presente. O que nos faz amar o passado talvez não seja o próprio passado, mas os males do presente.

Em fim, o passado às vezes só é melhor que o presente, porque vivemos fugindo do hoje, como o diabo foge da cruz.

A depressão nos remete para o passado, as decepções do presente nos remetem para o  passado, o envelhecimento mal resolvido nos remete para o passado (tempo em que éramos jovens), um grande amor nos remete para o passado, o luto perpétuo (dor e saudade pela morte de alguém que se amava) também nos reverte ao passado.

O patológico é que essa viagem de volta para o passado não é física, concreta, objetiva; é sempre uma viagem virtual, mental, psicológica, uma viagem da mente carregada de emoções. Assim, todas as vezes que viajamos com a mente e a alma para o passado, nos desconectamos do presente. Vamos deixando de amar e sentir o hoje, com isso vamos entrando em nós, e nos desconectando da vida. Vamos desenvolvendo um olhar extremamente crítico e amargo do presente e desenvolvendo um olhar romântico e apaixonado do passado. Nesse olhar negativo para o presente, nada do hoje tem brilho, beleza. Nada do hoje presta, tem encanto e significado.

É nesse ponto que a vida no presente para, atrofia, estaciona, engessa e o indivíduo passa a viver para o mundo virtual/mental que ele reproduziu do seu passado. Mas, o presente que hoje repudiamos, será o passado que amaremos, e se tornará motivo de saudosismo, nostalgia, e até de depressão amanhã.

Bom é conseguir caminhar, não morrer vida afora com o coração escravo de lembranças do passado, seja elas boas ou ruins. Isso porque, qualquer escravidão, seja ela dolorosa ou gratificante é adoecedora.  

Mas a minha maior decepção foi descobrir que Deus não fazia essa viajem viciada comigo para o passado, não que ele despreze o meu passado e as experiências que tive, é que Ele vive e existe no externo presente. Sua caminhada sempre foi e sempre será no hoje, no agora.

E para se relacionar com Ele é preciso seguir Suas passadas, caminhar no Seu compasso, estar vivendo a vida na Sua intensidade, no hoje, no agora.

Jesus sempre nos sinalizou que a vida acontece no hoje, no agora (o passado é vida que já aconteceu) e qualquer fuga do presente significa deixar de viver a vida nessa dinâmica e nessa intensidade.

“o pão nosso de cada dia nos dá hoje;” Mt.6.11.

“Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” Mt.6. 34.

“Em seguida dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” Lc. 9.23.

Paulo também sinalizou essa necessidade - seja por que motivo for, de se desprender do passado e avançar.

“Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão adiante,” Fl.3.13.

Jeremias em Lamentações descreve o adoecimento emocional, diante da exaustiva rotina de lembrar-se das tragédias do passado.

Minha alma ainda os conserva na memória, e se abate dentro de mim”. Lm. 3.20

Aprendamos a guardar as lembranças, a curtir as boas memórias sem perder o gosto pela vida hoje, sem deixar de viver o hoje com intensidade, prazer e esperança.

Viver bem hoje é guardar boas lembranças para amanha.

Lembrar é bom, recordar trás prazer para alma, mas viver hoje é melhor.

Sigamos em frente.

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1 comentários

  1. A paz. como sempre muito esclarecedor e vai direto ao ponto suas mensagens.

    eu sempre me pego parado, vivendo nessa nostalgia virtual do passado, eu não consigo acredito num hoje de felicidade pq dentro de mim vivo num passado de angustia. é meio complicado simplesmente deixar as memorias quando ela faz mais sentido e parece ser mais real e esclarecedora do que o presente e muito mais ainda do que o futuro.
    pq a angustia é mais forte do que a fé,do q alegria da salvação?

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